quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

NÃO É NATAL

   Família reunida, presentes ao pé da árvore, um belo assado no forno: tudo pronto para o natal, como manda a tradição. Costume que passa de geração para geração que dificilmente é questionado e cai num automatismo que me faz pensar se ainda mantemos vivo o real sentido da data, seja ela qual for. Não é raro ouvir reclames do tipo 'a cada ano o natal fica mais desanimado'. Desanimado está você, cara pálida. Repete as mesmas coisas sem ao menos pensar em seu significado. Então, hoje não é Natal.

   Não é natal para os ateus. Não é natal para os judeus. Não é natal para os muçulmanos. Não é natal para os budistas. Não é natal para os hindus nem para fieis de qualquer outra religião. Cada crença possui um calendário religioso que nem sempre coincide com o calendário cristão. A estes, fiquem em casa, assistam a novela das nove e tenham bons sonhos.

   Aos cristãos, comemorar o nascimento de Jesus deveria ser mais que uma tradição, mas uma oportunidade de reforçar a importância de sua presença. É tempo de renovar votos, mesmo que não haja data para tal. É oportunidade de rever se as atitudes tomadas durante o ano foram realmente baseadas no amor, respeito e fraternidade, princípios comuns a qualquer religião. É tempo de pedir bençãos para o ano que chega. É entender que a chegada d'Ele, se você realmente acredita n'Ele, fez toda diferença e importância para a construção de quem somos e quem queremos ser.

   Papai Noel é deus de qual religião, mesmo? A quem não acredita em um ser superior, como os ateus, a presença do bom velhinho é até aceitável, afinal, quem não gosta de presente? Fora isso, aos que creem, replicar em nossas crianças a ideia de um homem que sabemos que não existe é perda de tempo. Como exigir que crianças não mintam se nós alimentamos a tradição da ilusão? Se a ideia é dar presentes, então que troquemos presentes pela fraternidade real.

   Como cristão que sou, desejo que neste natal estejamos cheios de alegria pela celebração do Menino que vai nascer. Que durante o próximo ano a gente siga seus valores ao invés de regras preestabelecidas. Que você não espere até o próximo natal para presentear quem você ama. Pode ser tarde demais. E uma ótima novela das nove para quem não celebra. Tradição como esta sem crença é perda de tempo. Bons sonhos.


sábado, 29 de novembro de 2014

IMORTAIS

Sempre estranhei o fato de que a morte gera mais comoção que a vida. Salvo as devidas proporções, já que são sentimentos completamente opostos, é difícil ver alguém comemorar o nascimento de um bebê com tanta intensidade quanto chora pela perda de um ente. Acredito que a partir do momento que nascemos nos tornamos imortais. Alguns mais, outros menos, mas todos trazemos em nós a essência do infinito que permanece conosco mesmo quando se apaga a chama da vida.

Digo isso pois Roberto Gomes Bolaños, um dos grandes gênios da dramaturgia, já não está mais acessível aos nossos sentidos, embora seja imortal. Chespirito, como era conhecido, se imortalizou através de suas obras. Em quase 60 anos de carreira ele deu vida a diversos personagens como Chaves (seu Magnum Opus), Chapolin, Professor Chapatin, entre outros que nunca morrerão enquanto houver memória.

Assim como ele é imortal para a televisão, temos imortais na música, no cinema, na medicina, na política, na culinária e até mesmo nos serviços mais simples e menos reconhecidos. Cássia Eller estava super viva no som do meu carro esta manhã. Gabriel García Marquez revive a cada página aberta em seus livros. Hebe Camargo me sorri até as orelhas quando vejo seu acervo. Bolaños pode não mais estar acessível aos nossos sentidos, mas se imortalizou por tudo que criou na sua vida e talvez isso ajude a amenizar sua ausência.

Sinceramente acredito que nosso maior medo não é o de morrer ou como vamos morrer. A maior angústia que sentimos é porque o tempo passa e nunca paramos para apreciar nossas obras e, por isso, temos o receio de cair no esquecimento. O vazio incomoda. Justifico, então, a dependência que a fama causa em algumas pessoas e a abstinência quando um artista cai no esquecimento do público que o costumava ovacionar.


 A morte de Chespirito, assim como a de outros grandes nomes, me faz pensar sobre a fragilidade do humano perto da fortaleza de suas obras. Elas transcendem o criador, tomam vida própria e se consolidam no terreno das memórias. Que todos sejamos grandes não por quem fomos, mas pelo que criamos.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O QUE TE BASTA?

Coisas deixam de ser apenas coisas quando se transformam em memórias. Pode ser uma música, um livo, um caderno antigo, um ingresso de show ou qualquer outra coisa que nos conecte ao passado. Dias atrás caminhava pelas ruas do bairro quando passei próximo à escola onde concluí o ensino fundamental e aquilo foi o suficiente para eu voltar quase vinte anos da minha vida. Eu não me lembro de tudo, mas os detalhes eu sei de cor. Do cheiro da minha merendeira, do meu lugar favorito na cantina, da quase ausente iluminação da biblioteca e, principalmente, da vista da janela.

O tempo fez com que eu me esquecesse de muita coisa vivida naquele local, mas a vista da janela é algo que dificilmente sairá da minha cabeça. Acho que ali se revelava minha natureza contemplativa e pode ser que daquela pequena visão de mundo, um universo se abria dentro de mim. Para mim não existia nada além do que meus olhos podiam ver e aquilo me bastava. Talvez seja isso o que nós, adultos, tanto precisamos: o que nos basta.

A gente nasce, cresce e morre cheio de desejos, mas a intensidade com que eles se manifestam ao longo da vida vai se modificando e isso é determinante para nossa sensação de (in)felicidade. Desejos são apenas caprichos. Quando a criança quer algo ela chora, esperneia, e grita se necessário, mas quando você a distrai com outra coisa, ela logo esquece e vai de encontro ao que lhe chama atenção. Adultos, ao contrário, não choram e correm atrás do que querem e, quando conseguem, aquilo perde o valor. Já os idosos, sábios, querem mas não fazem tanto esforço para alcançar. O motivo? Sabem diferenciar desejos de necessidades.

Ester Rodrigues dizia: Crianças a mais, idosos a menos, que diferença isso faz? De certo, não faz diferença se pensarmos que a vida é um ciclo que precisamos errar para aprender o básico. Crianças e idosos são sinceros quando amam. Crianças e idosos precisam de cuidados especiais. Crianças e idosos fazem pirraça e às vezes, por descuido ou não, fazem as necessidades na roupa. Crianças e idosos são sinceros. Crianças e idosos são apenas essência.


 Crianças e idosos não precisam de muito, o que nos leva a concluir que a gente leva uma vida inteira para aprender o que já nascemos sabendo: o necessário nada tem a ver com o essencial e grandes obras só interessam aos olhos dos outros. O que nos dá base firme são nossas experiências da infância e o que aprendemos com elas. Posso passar uma vida de incríveis experiências na fase adulta e ainda não sei o que me aguarda na velhice, mas poucas coisas me farão sentir tão bem quanto a vista da janela da escola. 

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Single player

Gangorra é para dois. Jiu jitsu também. Dançar valsa sozinho é deprimente: ou são dois ou sente-se no banquinho mais próximo. Aposta é pra, no mínimo, dois. Poderia escrever dois ou três parágrafos citando coisas que uma pessoa só não realiza e talvez foram criadas justamente para integrar. Mas as melhores e as piores coisas da vida, meus caros, são single player.

Ler um livro, escrever um livro, apreciar o gosto da sua comida favorita, a sensação de ser promovido no trabalho, cantar no chuveiro, comprar seu primeiro carro: são coisas que ninguém além de você vai sequer ter noção. Viagem com amigos é o máximo. Recomendo ao menos uma vez a cada um ou dois anos, mas a bagagem de um viajante solitário vai muito além de fotos ao pôr do sol e muitas histórias pra contar. A solidão proposital te faz entrar em contato com seu íntimo, sem máscaras, sem artifícios, sem script. Você faz o que quer, na hora que bem entender, se quiser e não precisa satisfazer vontades ou expectativas de ninguém a não ser você mesmo. Ok, sexo é pra dois, mas o prazer é todo seu e se não fosse por ele, nada feito.

Em contrapartida, temos nossos anseios, medos, carências e decepções que nenhuma verbalização será capaz de definir. Perder um ente querido, terminar um relacionamento, receber um comunicado de demissão e ter uma cólica renal são exemplos de situações em que se encontram apenas você e sua consciência. Pais que absorvem ou intervêm nas decepções do filho têm como único resultado um adulto despreparado.  O que somos hoje é meramente fruto de todas as nossas experiências, boas ou ruins e o que aprendemos com elas. Se esquivar dos coices da vida te faz ágil, mas o que te fortalece de verdade é quando ela te acerta em cheio bem na boca do estômago. Fugir ou fingir só faz adiar, mas nunca resolve.

Não me entenda como extremista, não somos uma ilha. Precisamos, sim, de afeto, amor, amigos, desejo e muitas outras coisas que só outros podem nos proporcionar. Jantares à luz de velas, um bom papo de fim de tarde, cinemas e festas de aniversário são bem mais prazerosos quando estamos acompanhados, mas embora importantes, não são essenciais. Vital mesmo é o que fazemos quando ninguém nos vê.


Tudo isso pra dizer que você pode ser solteiro, casado, solitário, dependente, anti-social ou popular, o que te faz ser você são suas experiências individuais. Quem investe no outro ganha gratidão e reconhecimento, mas quem investe em si ganha conhecimento, autor respeito,  amor próprio, satisfação, paz de espírito e, depois de tudo isso, felicidade. E se algum dia alguém te perguntar qual é a fórmula da felicidade, responda sem titubear: felicidade é fruto de auto investimento. Quanto mais se arrisca, mais chances de ganhar.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

O TEMPO QUE FOI PERDIDO



“Veja o sol dessa manhã tão cinza”, dizia Renato Russo. Pois nem o céu claro, provocado por uma das mais longas estiagens da história do nosso país, conseguiu fazer com que esta manhã de quinta feira fosse menos cinza. Isso porque hoje fomos bombardeados com mais uma notícia de um assassinado provocado por homofobia, desta vez no estado de Goiás. As tempestades que chegarão de agora em diante jamais serão da cor dos olhos castanhos de João Antônio, um jovem de apenas 18 anos que teve a vida ceifada por um motivo tão torpe: o de ser quem é.

E de pensar que, tempos atrás, éramos tão jovens. Mas essa juventude nos foi roubada e hoje somos reféns. Reféns dos nossos representantes, que insistem em fechar os olhos diante de estatísticas tão alarmantes. Reféns da mídia, que nos transmite apenas o que é de seu interesse. Reféns do sistema, onde ainda prevalece a lei da selva. E também refém de uma cultura arcaica e opressiva, onde tudo o que é considerado fora do normal, é descartado, às vezes da pior forma. Mas o que é normal?

Vivemos num país conhecido mundialmente pela cordialidade e alegria. Somos ensinados a sermos cordiais com as visitas, mas como farei isso se sou incapaz de tratar bem aos meus semelhantes? Quando é que fomos ensinados a derramar sangues amargos e sermos selvagens?

Em períodos eleitorais, uma das bandeiras mais levantadas é a da Educação e isso é pauta de todo candidato. Mas o que foi prometido, ninguém prometeu. Confundem sistema ensino com educação e se esquecem que isso é coisa que se aprende em casa. Não sabem a diferença entre física, que é uma matéria, com respeito à integridade física, que é disciplina. Empurram a responsabilidade para o professor, às vezes sem saber que cada pai é também um educador.


João Antônio já não tinha mais o tempo que passou e agora também não tem todo o tempo do mundo. Hoje muita gente não vai mais lembrar e esquecer como foi o dia. Sua família e seus amigos ficarão algum tempo sem seguir sempre em frente. Perderam o tempo. Tempo de estar com João, tempo de amar João, tempo de valorizar João. Não tenho medo do escuro, mas deixem as luzes acesas para que possamos ver no que se transformou a nossa Geração Coca Cola.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Aeroportos


Há lugares que te fazem sentir bem, outros podem te causam melancolia, mas há lugares em que você experimenta da euforia ao completo desalento ao mesmo tempo. O teatro é um exemplo de lugar onde você experimenta das mais diversas sensações. Já saí de peças com câimbras intensas na barriga de tanto rir, mas também já saí aos prantos, feito um panda com olheiras profundas. Mas por mais que a arte nos comova de forma reflexiva, a gente se expressa mesmo quando o drama é com a gente mesmo e, se há um lugar onde as emoções vêm à tona, este lugar é o aeroporto.

Se você é como eu, que gosta de observar a alegria e o drama alheio, te aconselho a passar uma ou duas horas num aeroporto. Basta um pequeno espaço de tempo e você verá como as pessoas se despem das máscaras e agem por instinto. Tem o executivo apressado que consegue ser doce ao telefone com um cliente e um ogro com os funcionários da companhia aérea. Tem a madame que desce do salto e apronta barraco porque extraviaram sua mala. Tem o famoso que arreganha um sorriso em frente às câmeras, mas usa chapéu, casaco e óculos escuros, orando a Deus para não ser reconhecido por fãs. É tanta verdade que te assusta.

Mas meus lugares favoritos são o embarque e o desembarque de passageiros, principalmente dos vôos internacionais. Em ambos há choro, mas a diferença é sutil fica do lado esquerdo do peito. As lágrimas caem no embarque porque o coração está do tamanho de uma ervilha, e como isso dói. Já no desembarque é um acúmulo de lágrimas que foi represada na ausência e agora as comportas já não retém de tanta saudade e até o mais bruto dos homens vira criança e abre o berreiro.

Que tal imaginar que o mundo é um grande aeroporto? E se a gente pudesse ser a gente mesmo, sem máscaras, sem pose, sem fingir algo que não é pra quem a gente nem conhece? Te assusta a ideia de ser quem você é? Já pensou que legal seria se pudéssemos, fora de aeroportos, dar longos abraços em nossos amigos e familiares e dizermos o quanto os amamos? Já parou pra pensar que aeroportos só nos emocionam pela consciência de que é possível, sim, que as pessoas que amamos podem não estar ao nosso lado para sempre?


Então viva como se a vida fosse um grande saguão de aeroporto com chegadas e partidas, ora temporárias, ora permanentes. Grite, chore, dance, ria, pule, corra e, acima de tudo, esteja em movimento. Pois aeroportos podem ter de tudo, menos emoções vazias. 

domingo, 17 de agosto de 2014

Metade


De uns tempos pra cá, vem se tornando cada vez mais comum fracionar coisas. Meio expediente, meia tarifa de ônibus, meia entrada no cinema, e uma série de outras coisas vieram para facilitar nossas vidas e algumas delas para aliviar nossos bolsos. Se sei que não aguento comer uma porção inteira de fritas, traz meia, por favor, garçom!

Mas em meio a tantas metades, existem algumas que ninguém quer. Pneu com meia vida, meias verdades e meia felicidade soam como se nos privassem de algo. E, de fato, é isso que acontece. Algo que poderia ser inteiro, mas agora falta. Enquanto umas metades existem para adequar, outras vêm para deixar sensação de que algo está incompleto.

E tem muita gente vivendo pela metade. Acorda meio cansado, vai pro trabalho meio contrariado, gosta mais ou menos do que faz, namora com alguém que é mais ou menos aquilo que todo mundo espera, chega ao fim da vida sem viver o meio. Mas e aí? Dá pra viver no meio termo? Alguns conseguem. Gente que nunca conheceu o que é felicidade ou desistiu dela. Gente que segue o script e não dirige a própria vida. Gente que sobrevive.

Não me cabe julgar o que é melhor para o outro. Mas embora ainda tenha muito que evoluir, arrumo meus meios para viver por inteiro. E como o fim é imprevisível e abstrato, eu aproveito o  meio sem viver pela metade. Tudo o que é completo vale mais. Ninguém dá importância se você está meio contrariado, mas logo notam quando está completamente emputecido. Se estiver triste, sou completamente triste para esgotar o sentimento e também para que eu valorize os momentos de felicidade.

Onde há meias verdades, há mentiras inteiras.


 Mas quanto às liquidações de 50%, estas estão liberadas. 

domingo, 3 de agosto de 2014

Sobre expectativas e autorrespeito


Certa vez me pediram: Fred, escreve pra mim um texto sobre a saudade de um familiar que mora fora do Brasil?
Desculpa, minha família inteira mora na terrinha e não tenho propriedade alguma pra falar disso. Como vou escrever algo que não sinto?

Outra vez, disseram: Fred, você se expressa tão bem com palavras. Quanto cobra pra fazer meu TCC por mim?
Desculpa, mas a graduação é sua, não minha. Se durante todo o curso você não aprendeu a defender suas idéias, não espere isso de mim.

Dia desses, afirmaram: Fred, você deveria cursar psicologia. Entende tão bem o sentimento alheio e passa tanta segurança quando fala de si.
Desculpa, mas não me diga o que eu devo ou não estudar. Se entendo alguma coisa de sentimentos, é porque sou humano e quando falo de mim, é porque antes me enfrentei diversas vezes.

Outrora, me questionaram: Cadê o velho Fred? Você é igual, mas não é o mesmo.
Desculpa, mas “o velho Fred” na época era “o novo Fred”. Assim como qualquer pessoa, morro e renasço diferente com novos desejos, objetivos, perspectivas e atitudes. Se você é o mesmo desde sempre, recomendo um pouco mais de autocrítica, pois nossa missão aqui é evoluir.

Quatro situações entre várias. Quatro pessoas diferentes. Todas com um lugar muito especial no meu coração. Mas embora elas estejam sempre ao meu lado, a maioria das minhas batalhas eu enfrento sozinho, pois são de uma intimidade particular. Antes eu classificava como egoísmo, mas hoje eu entendo que, embora estejamos cercados de expectativas alheias, o que realmente importa é o que a gente leva para o travesseiro.


A gente sempre espera algo de alguém. Sempre. Mas hoje eu sei que ela tem escolha, e não o dever de corresponder. Antes de corresponder qualquer desejo do outro, antes de tudo, o seu deve estar realizado. O nome disso é autorrespeito. E se, depois de tudo, ainda me amarem, significa que o sentimento é verdadeiro. Pois quem quer me moldar pelo que acha certo, não quer um amigo, mas sim um fantoche. Então que compre um.


domingo, 20 de julho de 2014

Alguém

Todo mundo procura alguém. Que mais que fiel, seja leal. Que esteja sempre ao seu lado, acima do bem e do mal. Que te compreenda além das aparências do que a sociedade julga ser normal. Que fale um “eu te amo” sem nenhum protocolo formal.  Que te enxergue como és, etc e tal.

Todo mundo precisa de alguém. Que se mostre disponível antes mesmo que você caia. Que passe com vocês noites e mais noites na gandaia. Que juntos possam fazer aquela viagem inesquecível para a praia. Ou até mesmo esteja disposto a, com você, escalar o Himalaia. E que especialmente nunca, mas nunca, te traia.

Todo mundo quer alguém. Para estar junto uma vida inteira. Pra poder ligar às três da manhã de uma terça feira. Pra não ter censura em qualquer brincadeira. Que tenha a liberdade de abrir a porta da sua geladeira. Que segure sua onda quando você perder a estribeira. Que esteja do seu lado queira ou não queira.

Todo mundo espera por alguém. Para fazer nada, em qualquer lugar, num dia qualquer. Que tenha orgulho de te apresentar aos seus sem um pingo de cerimônia sequer. Que possam despetalar um campo de margaridas até encontrar um bendito bem-me-quer. Que esteja ao seu lado quando uma circunstância da vida requer.


Sou um cara extremamente sortudo. Eu não mais procuro, não mais preciso, não mais quero e não mais espero, pois eu tenho vários “alguéns”. Alguéns que, com orgulho, tenho a honra chamar de amigo. Alguéns que posso passar anos sem ver, mas isso não significa que não os posso ter. Que possamos valorizar não apenas o ombro amigo, o olhar amigo, o abraço amigo, mas o inteiro amigo, pois amizade que não soma, não completa. 

UM FELIZ DIA DO AMIGO A TODOS OS MEUS!


quarta-feira, 2 de julho de 2014

Falta Eu


Tem dias que a gente acorda e sente falta de algo. Levanta, toma banho, se arruma, prepara o café, tranca a porta e vai para o trabalho com aquela sensação de que alguma coisa não está lá. Será que esqueci o gás ligado? Será que tranquei direito a porta? Coloquei comida para o cachorro? Tem dias que realmente falta algo, mas tem dias que falta Eu.

Falta eu quando não me reconheço nos lugares que eu sempre ia e me sentia à vontade. Falta Eu quando esqueço a senha do banco porque me perdi em pensamentos. Falta Eu quando aquela conversa com grandes amigos fica rasa, sem conteúdo, sem entrega. Falta Eu na tomada de decisões importantes para o futuro. Falta Eu nas tarefas que faço automaticamente e dedico tempo, e não amor, ao que estou fazendo.

Perder a chave de casa é desesperante. Perder o celular na balada ninguém gosta. Perder tempo em congestionamento é de matar qualquer um de ódio. O problema é quando a gente perde a essência. Os elementos de identificação com o passado passam a não fazer mais sentido e não existem referências para criar conexões com um futuro. É como acordar numa banheira de gelo após um Boa Noite Cinderela. Onde estou? Como vim parar aqui? Alguém me ajuda? Alguém?

 Ninguém. A gente sente a necessidade de alguém para tanta coisa, mas esquece que nas mais vitais a gente não precisa de ninguém. Pensar, respirar, dormir, acordar, estudar e uma série de outras coisas são tão pessoais que me assusta ouvir de alguém dizendo que precisa de alguém para viver. Depender é se autodeclarar incapaz. E é nessa dependência que muita gente se perde e não se acha.

Se encontrar é tarefa individual e, no meu caso, só se torna coletiva quando tenho companheiros de viagem. Em outra cidade eu me viro. Em outro estado, me renovo. Em outro país eu me acho. Viagens para mim são muito mais que experiências culturais e fotográficas. Viagens são jornadas em busca de nós mesmos, que nos perdemos no estresse do dia-a-dia, da falta de tempo e da escassez de elementos favoráveis para a composição do eu.


 Aí, sim, tem Eu em abundância.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Contra o tempo

Em tempos de tanta correria, compromissos e agendas, viramos inimigos do tempo. Nunca quisemos tanto que os ponteiros do relógio fossem mais generosos conosco devido à quantidade de compromissos que firmamos na nossa rotina. A gente trabalha, estuda, comparece à aniversários, festas de família, da empresa, dos amigos, organiza a casa, faz orçamentos financeiros, cuida dos pais, dos filhos, do cônjuge... Duas horinhas a mais no dia resolveriam metade dos problemas.

Me sinto vitorioso no dia em que consigo cumprir todos os compromissos, ou pelo menos os mais importantes. Mas nem sempre foi assim. Quem me conhece sabe habita em mim a alma de um idoso e a energia de um reumático. Não que eu me orgulhe disso, mas cada um enfrenta a vida da maneira que lhe traga mais paz. Há quem se submeta a intervenções e cirurgias para aparentar uma eterna juventude, há quem trabalhe insanamente para esquecer dos problemas e há pessoas como eu que vão contra a pressa que o relógio impõe.

Ser idoso de alma me permite certos álibis. É não me importar com os padrões que a sociedade me impõe e não sentir a necessidade de me enquadrar neles. É saber dizer não a um amigo que me chama pra uma balada simplesmente porque não estou a fim de sair. É me respeitar mais do que respeitar os outros. É saber que tudo tem limite, inclusive meu corpo. É ver que o tempo passou e me orgulhar de tudo que aprendi até aqui.

É saber que só porque ainda não cheguei onde eu quis não quer dizer que não possa momentos de imensa felicidade. É saber a diferença entre dinheiro e valor, e que ambos não estão necessariamente associados.  É saber reconhecer um momento mágico e apreciar antes que ele acabe. É cantar alto enquanto dirijo e pouco me lixar para o motorista do carro ao lado que me observa com ares de deboche (quase sempre com uma ponta de inveja). É saber que estou mais sábio, mas mesmo assim não sei de nada.

É saber que as relações que estabeleço não são amarras e muito menos justificativas para não ser quem eu sou. É ter a clara noção de que a única pessoa que pode me fazer feliz sou eu mesmo. É me aceitar do jeito que sou e saber que quem anda comigo, vai me conhecer assim e me compreender assim. É não ter ideia fixa. É compreender que as palavras “nunca” ou “sempre” trazem uma responsabilidade que dificilmente serão cumpridas. É me conformar que tudo é efêmero, inclusive o tempo.


É ter a conformidade de passar os dias com calma, aceitando que a vida é um processo, não um produto. Se alguns encaram o passar do tempo como uma corrida em direção ao fim, eu apenas encaro como uma permanência plena no meio. Pois no fim, de verdade, só está quem já se sente lá.


segunda-feira, 9 de junho de 2014

Terapias

Uns pintam, outros fazem boxe, muitos choram, falam pelos cotovelos, há também os que exageram na bebida.  Cada um tem um jeito de colocar seus pensamentos em ordem e extravasar alegrias e tristezas. Pois eu dirijo. Acredito que a gente só se revela mesmo é atrás de um volante, com os pés afundados no acelerador e não vejo terapia melhor que colocar uma playlist condizente com seu estado de espírito e sair cantando enquanto pilota. Só não aconselho fazer isso em momentos de ira, pelo bem da sua integridade física e dos outros.

O principal efeito dessa transferência é ter nas mãos algo que você pode controlar, medir, descontar e, quem sabe, confrontar. Se sou capaz de pintar traços tão específicos e harmonizar uma tela, por que não fazer isso com meu coração? Se posso golpear tão forte um saco de areia que pesa, sei lá, 200kg, por quê não sou forte o suficiente para apaziguar minha ira? Se estou apto a controlar um veículo tão milimetricamente projetado e ainda sim está sujeito a desgastes, por que me não consigo lidar com minhas próprias fraquezas?

 Terapias são comportas que se abrem na represa de tudo que a gente pensa e sente. Se acumular demais, transborda. Transferir o sentimento para algo que se possa tocar serve como uma usina hidrelétrica, que gera energia para alimentar outras partes do que nos compõe. Pensamento preso incha. Lágrima contida afoga. Mágoa guardada contamina. Ideia não compartilhada definha e se mistura ao lixo não reciclável.

Certa vez vi uma entrevista da escritora/roteirista/apresentadora/multitarefa Fernanda Young em que ela revela que a ideia do seu programa Irritando Fernanda Young seria, na verdade, Irritando Fernanda Young No Trânsito. Segundo Alexandre Machado, seu marido e idealizador do programa, as pessoas só são elas mesmas enquanto estão dirigindo e Fernanda se transforma numa entidade à parte.


A questão é que, meios à parte, o que interessam não são os fins, mas as formas como chegamos a eles.  E por meio disso que muitos talentos são descobertos, muitos dons são explorados e muitos artistas criam suas obras primas que perpetuam ao longo dos anos. Quem diria que algo que faz você esquecer se transformaria em algo pelo qual você será lembrado?

sábado, 10 de maio de 2014

Mãe é de graça

Uma das vantagens de ser apaixonado pela escrita amadora é que posso me entupir de achismos e ter a liberdade de criar minhas próprias teorias – sensatas ou não. Cabe ao leitor concordar ou discordar das minhas posições, mas aí já não me cabe tentar consertar a interpretação do outro. Não é grosseria, é a verdade. Cada pessoa tem um olhar individual sobre tudo aquilo que absorve baseado nas próprias experiências. É imutável.

Um parágrafo inteiro para explicar onde quero chegar: o olhar de mãe. Digo isso, pois obviamente nunca vou dizer com propriedade sobre o assunto. Entrarei no campo das minhas experiências para tentar definir a graça de ser mãe. Graça no sentido de dom, pois mais que gerar, ser mãe é ter o dom de construir um ser. Tem muito pai que é mãe. Tem muita tia que é mãe. Tem muito irmão que é mãe. Até um estranho pode ser mãe. Ser mãe é graça.

Quando criança, a gente enxerga a mãe como uma heroína; na adolescência ela tem seus momentos de vilania; na juventude é um porto seguro e na fase adulta, quando já estamos construídos, nos cabe apenas agradecer a ela por absolutamente tudo. Não sou inocente a achar que toda mãe é desse jeito, mas é como deveria ser. Mãe é sagrada.

Ser mãe é o trabalho voluntário mais ingrato do mundo, porém o mais satisfatório. Mãe te ensina a não levar desaforo pra casa, mas leva os seus para o travesseiro dela. Mãe te ensina a ser cordial com o coleguinha, mas compreende seus ataques de fúria. Mãe te ensina a ser educado e prestativo na casa dos outros, mas arruma sua cama, lava, passa e cozinha de graça sem nunca ter reclamado. Mãe é de graça.


Ano passado o cantor e compositor Marcelo Jeneci lançou seu segundo álbum chamado “De graça” e seu primeiro single diz que “o melhor da vida é de graça”. São as pequenas coisas óbvias e fazem todo o sentido quando ditas no contexto correto. Abraçar é de graça. Beijar é de graça. Amar é de graça. Sorrir é de graça. E ser mãe também é de graça. Então, nesse dia das mães, abrace, beije, ame e sorria com sua mãe, se possível. Não é porque é de graça que a gente não precisa dar valor enquanto tem.

terça-feira, 1 de abril de 2014

O impublicável

Meses atrás escrevi sobre os hiatos de tempo e o quanto eles são necessários para que possamos racionalizar o que acontece com a gente. E como tudo que a gente cria se torna um pouco parte de nós, às vezes de forma inconsciente, dei férias para este blog e entrei numa fase de escrever textos profundamente pessoais e que vão engrossar o meu livro das coisas que nunca serão publicadas. Alguns poucos são desabafos, mas a grande maioria deles são sobre assuntos tão desconexos que não faria sentido para qualquer outra pessoa senão eu.

E se tudo o que você viveu até agora fosse escrito, narrado e documentado? Quais seriam os fatos impublicáveis? O que você considera íntimo demais para que qualquer um tenha acesso? E as coisas que você fez e se arrependeu, mas não quer compartilhar a experiência? A Constituição brasileira nos protege com o direito à privacidade, mas outro benefício que não está em constituição alguma e ninguém pode nos tirar é a individualidade.

Logo que nascemos somos expostos a um universo de experiências, bem ou mal sucedidas. E é cada um com o seu. Nada nem ninguém pode me tirar a sensação do primeiro beijo, da primeira decepção amorosa, da alegria de passar no vestibular e de uma infinidade de sensações que por mais que eu tente contar, só farão sentido a mim. Exceto eu, ninguém saberá explicar o que senti quando nadei com golfinhos na praia de Pipa, ou da emoção que senti ao apreciar o pôr do sol em Florença, ou mesmo porque me emociono toda vez que chego ao final de um livro.

Tudo isso pra mim é impublicável. Posso compartilhar fotos, vídeos, e áudios de onde quer que esteja, mas o que sinto é só meu. Não foi uma questão de me reencontrar, já que estive comigo o tempo todo. A gente nunca se perde, mas às vezes os seres dentro de nós entram em choque de ideias e é preciso ordem na casa para que o trabalho funcione. Faxina feita. Precisava deste hiato para criar o que ninguém mais poderá fazer por mim. 

sábado, 25 de janeiro de 2014

Memórias

Não faz muito tempo que encontrei um amigo de longa data, daqueles que as circunstâncias tratam de afastar mesmo depois de tantos momentos vividos. Estávamos em uma livraria comprando presentes, nos esbarramos sem querer e ficamos cerca de uma hora relembrando histórias e rindo como se tudo tivesse acontecido ontem mesmo. Foram viagens, passeios, festas e momentos que certamente ficarão para sempre em nossas memórias.

Mas hoje tudo tem memória. Celular tem, TV tem, computador tem e até mesmo automóvel tem memória. Não faz muito tempo que ela acontecia apenas no plano imaterial: a gente vivia pra depois lembrar daquilo com carinho. Agora há uma necessidade quase incontrolável de se registrar cada momento, cada frame, cada pedaço. Pessoas pagam caro para assistir a um espetáculo e enrijecem os braços por horas só para fazer um vídeo perfeito.

Ano passado fui vítima da ilusão da tecnologia. Assisti a uma peça de teatro que me emocionou profundamente pelo texto, cenário e sintonia entre atores e diretores. Gostei tanto que fiz questão de ir mais uma vez, agora com um gravador de áudio para registrar cada fala e ficou até muito bom. Porém, para minha surpresa, nunca consegui ouvir o áudio completo, pois não consegui registrar em áudio a emoção que a peça me trouxe. Não tem valor sentimental, muito menos financeiro. Irei quantas vezes necessário, mas gravar, nunca mais.  

Acredito que isso venha do prazer em compartilhar com os entes cada momento, mesmo quando ausentes. Sendo curto e grosso, quem não estava lá não merece lembrar e mesmo que veja um milhão de fotos, nunca vai ter a mesma sensação de quem esteve. Nada contra quem gosta de registrar momentos, mas as coisas estão caminhando de um jeito que em pouco tempo as memórias deixarão de ser lembrança e serão completamente digitalizadas e descartáveis com um simples clique.


É claro que não serei herege em me posicionar contra as fotografias e vídeos, mas sou completamente a favor de um uso consciente e do compartilhamento ainda mais sensato das tecnologias. Lembro da frase de uma amiga que diz “Life is too good to be shared”, ou “A vida é muito boa para ser compartilhada”. Guarde o que você viveu e compartilhe apenas o essencial. O registro é importante, mas de menor valia que a lembrança, pois é acionado de qualquer maneira, por qualquer um, sem a menor cerimônia. Já a lembrança nos acalma o coração, deixa um sorriso nos lábios e a sensação de que um dia, de fato, fomos felizes.