Coisas deixam de ser apenas coisas quando se transformam em memórias.
Pode ser uma música, um livo, um caderno antigo, um ingresso de show
ou qualquer outra coisa que nos conecte ao passado. Dias atrás
caminhava pelas ruas do bairro quando passei próximo à escola onde
concluí o ensino fundamental e aquilo foi o suficiente para eu
voltar quase vinte anos da minha vida. Eu não me lembro de tudo, mas
os detalhes eu sei de cor. Do cheiro da minha merendeira, do meu
lugar favorito na cantina, da quase ausente iluminação da
biblioteca e, principalmente, da vista da janela.
O tempo fez com que eu me esquecesse de muita coisa vivida naquele
local, mas a vista da janela é algo que dificilmente sairá da minha
cabeça. Acho que ali se revelava minha natureza contemplativa e pode
ser que daquela pequena visão de mundo, um universo se abria dentro
de mim. Para mim não existia nada além do que meus olhos podiam ver
e aquilo me bastava. Talvez seja isso o que nós, adultos, tanto
precisamos: o que nos basta.
A gente nasce, cresce e morre cheio de desejos, mas a intensidade com
que eles se manifestam ao longo da vida vai se modificando e isso é
determinante para nossa sensação de (in)felicidade. Desejos são
apenas caprichos. Quando a criança quer algo ela chora, esperneia, e
grita se necessário, mas quando você a distrai com outra coisa, ela
logo esquece e vai de encontro ao que lhe chama atenção. Adultos,
ao contrário, não choram e correm atrás do que querem e, quando
conseguem, aquilo perde o valor. Já os idosos, sábios, querem mas
não fazem tanto esforço para alcançar. O motivo? Sabem diferenciar
desejos de necessidades.
Ester
Rodrigues dizia: Crianças
a mais, idosos a menos, que diferença isso faz? De
certo, não faz diferença se pensarmos que a vida é um ciclo que
precisamos errar para aprender o básico. Crianças e idosos são
sinceros quando amam. Crianças e idosos precisam de cuidados
especiais. Crianças e idosos fazem pirraça e às vezes, por
descuido ou não, fazem as necessidades na roupa. Crianças e idosos
são sinceros. Crianças e idosos são apenas essência.
Crianças e idosos não precisam de muito, o que nos leva a concluir
que a gente leva uma vida inteira para aprender o que já nascemos
sabendo: o necessário nada tem a ver com o essencial e grandes obras
só interessam aos olhos dos outros. O que nos dá base firme são
nossas experiências da infância e o que aprendemos com elas. Posso
passar uma vida de incríveis experiências na fase adulta e ainda
não sei o que me aguarda na velhice, mas poucas coisas me farão
sentir tão bem quanto a vista da janela da escola.
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