domingo, 17 de janeiro de 2016

EU 2.0

Meses atrás encontrei com uma amiga de infância que se mudou para a Europa há alguns anos. Não sei se por nostalgia ou qualquer outra coisa, antes de vê-la imaginei a mesma menina de cabelos desgrenhados, óculos, marcas de espinhas recentes e uma leve diastema que dava um charme em seu sorriso. Mas para meu espanto o que vi foi uma versão 2.0 dela. Postura ereta, cabelos com cachos definidos e volumosos, já não havia nem sinais de espinhas e os óculos foram aposentados após uma cirurgia que eliminou seus graus de miopia.

Demos um abraço apertado, perguntamos como estão o trabalho, os estudos, os relacionamentos. Tudo como mandam o figurino, os bons modos e também a saudade. Sentamos para tomar um vinho e, entre um tópico e outro, trocávamos elogios do tipo: “como o tempo te fez bem!”, ou “você conquistou tanta coisa em tão pouco tempo!” e “não acredito que você teve coragem para isso!”. Ambos espantados sobre como o tempo é relativo quando não temos mais contato algum para contar as amenidades do dia a dia e as pequenas conquistas. Nos despedimos com a promessa de nos ver na próxima visita – e espero muito que seja eu o visitante e ela a anfitriã.

Duas semanas depois recebi uma mensagem dela dizendo que ficou admirada com minha nova versão, que eu estava melhor para mim e para os outros. Agradeci dizendo o mesmo, pois ela realmente era uma nova mulher e foi uma satisfação perceber sua evolução.

Às vezes ficamos impressionados ao vermos pessoas que já não fazem parte de nosso cotidiano tomando atitudes completamente diferentes que tinham quando estavam próximas a nós, como se o tempo não fizesse efeito algum sobre elas e não as ensinasse nada. Vemos nossos primos que tanto deram trabalho na juventude com baladas e bebedeira tendo seus filhos e se tornando excelentes pais. Vemos nossos ex afetos com seus novos amores fazendo coisas que nunca fizeram conosco. Vemos aquele nosso amigo de colégio que tinha dificuldades de aprendizado que montou sua própria empresa e agora está prosperando. É muito bom ver as versões 2.0 das pessoas.

E isso não é um fator que me desanima, porque todas as pessoas que conheço a partir de agora estão lidando com a melhor versão de mim. E as pessoas que me conhecerem daqui a 10 anos verão uma versão ainda mais aprimorada do que sou hoje, o Eu 2.0. E esse Eu 2.0 pouco tem a ver com a idade. É certo que a vida tem altos e baixos e as benéfices não vêm da mesma forma para todos, mas é praticamente impossível passar pela vida sem aprender nada com as experiências.

 Meu Eu 2.0 é mais consciente. Meu Eu 2.0 é menos impulsivo. Meu Eu 2.0 procura ouvir conselhos e em vez de só escutar. Meu Eu 2.0 é mais independente, mas também quer pessoas ao redor. Meu Eu 2.0 é mais consequente. Meu Eu 2.0 é menos egoísta e menos dramático. Meu Eu 2.0 recebeu uma série de melhorias que meu eu saberia enumerar, pois algumas dessas atualizações são tão imperceptíveis que só mesmo alguém que não nos vê há anos consegue chegar e dizer: Estou admirada com sua nova versão.   

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

EU TE DESEJO UMA VIDA DE ÚLTIMO CAPÍTULO DE NOVELA

Eu te desejo uma vida de último capítulo de novela.
Eu te desejo grandes amores, mas apenas os possíveis.
Eu te desejo sentimentos mútuos.
Eu te desejo beijos demorados em paisagens incríveis.
Eu te desejo reconhecimento por suas obras.
Eu te desejo desfechos para as tramas tristes.
Eu te desejo também recomeço para as tramas felizes.
Eu te desejo a liberdade de ser quem você é. Sem máscaras.
Eu te desejo jantares com mesa farta, amigos e risadas.
Eu te desejo também uma moral da história, algo com que possa aprender.
Eu te desejo a serenidade de dizer a alguém o quanto ela é importante para você.
Eu te desejo a sabedoria de dizer isso sem a necessidade de ultimatos.
Eu te desejo inteligência para perceber que felizes não são os finais, mas os meios.
Eu te desejo atenção. Nem sempre estamos rodeados pelas melhores pessoas.
Eu te desejo o conhecimento de que o caminho certo é aquele que nos traz paz.
Eu te desejo lágrimas, muitas lágrimas.
Eu te desejo também o discernimento de entender que as lágrimas de tristeza são um alívio.
Eu te desejo mais ainda lágrimas de felicidade. E que você nunca as esconda de quem quer que seja.
Eu te desejo sentimentos verdadeiros, que independem de tempo ou distância.
Eu te desejo livros que te lembrem alguém, fotos que te transportem a lugares e músicas que te remetam a momentos. E que você chore se isso te emocionar, pois não existe sinal mais legítimo que uma lágrima.

 Eu te desejo uma vida com tudo que ela pode trazer: amor, dor, alegria, tristeza, paz, tormenta, riso, choro e dúvida. E que isso te faça entender que, para chegar ao último capítulo com final feliz, toda novela experimenta das mais variadas sensações e é por meio delas que levamos algo para nossas vidas. Grande parte dos conflitos (políticos, religiosos ou ideológicos) não surgem dos grandes motivos, mas das pequenas divergências de definição. Então que possamos encontrar pessoas que compartilhem das nossas definições e possamos respeitar as que não o fazem. E nessa vida de novela eu te desejo partidas, chegadas, encontros e reencontros e que, antes de qualquer coisa, nunca seja tarde demais, nem cedo demais, pois apenas o que existe é o tempo. Ah, não tem como eu te desejar uma vida de último capítulo de novela sem desejar que você seja também o autor, por que qual a graça de viver uma história que você não escreveu?

domingo, 10 de janeiro de 2016

SILÊNCIOS FALAM MAIS

Onde sobram mãos, falta tato.
Onde sobram olhos, faltam olhares.
Onde sobram bocas, faltam beijos.
Onde sobram braços, faltam entregas.
Onde sobram palavras, faltam verdades.

Mania besta essa nossa de definir, traduzir e descrever o que, às vezes, precisamos apenas sentir. Não há o que racionalizar num primeiro beijo, não há ciência na paixão, não há filosofia que entenda a ausência de razão, quando quem está no comando é a emoção.

O que a gente precisa é de mais silêncio. Palavras engessam. Qualquer tentativa de verbalizar o que sentimos podem ser vãs, pois o que te expõe também pode te esconder. Quantos casais por aí trocaram juras de amor eterno em relacionamentos onde há mentiras? Quantos amigos colocaram a mão no fogo por alguém que, na verdade, o enganava? Isso sem contar na política, mas isso é assunto para outra pauta. Silêncios falam mais. Silêncios falam mais. Silêncios falam mais.

A repetição pode nos fazer entender melhor ou mesmo refutar qualquer sentença. E repetir também é um ato de silêncio, já que o cérebro se desliga de encontrar novos vocábulos e te aprofunda no que antes eram apenas fonemas. Silêncios ralam mais porque no silêncio não há erros, não há equívocos, não há mentiras. Talvez haja alguma dúvida, mas até aí ao menos uma verdade já existe. Quem está para falar a verdade, se mostra antes no silêncio.

No silêncio há o que há, pois todos os silêncios sinalizam uma verdade. E quando faltar a verdade, procure nos silêncios.