Eu hoje joguei
tanta coisa fora... Bem no meio do meu retorno de
Saturno, este trecho nunca fez tanto sentido. Um belo dia a gente para, senta e
começa a contabilizar tudo o que já plantou, o que já colhemos e quais serão
nossas próximas semeaduras, mas com uma pequena diferença: a gente escolhe com
mais critérios as sementes e os solos. São os famosos Quase Trinta. Até aqui foi quase tudo consequência: amigos,
projetos, viagens, relacionamentos e até mesmo a vida profissional. De certa
forma os fatos foram nos levando a ser quem somos hoje. Raros são os que têm
desde cedo a certeza do que desejam fazer por toda a vida. Como não recebi esta
benção, sigo buscando.
Nos Quase Trinta a coisa fica séria e a gente já sabe onde pisa -
ou deveria saber. Geralmente é a idade em que muitas mulheres da minha geração
pensam em ter filhos ou decolar a carreira.
Os homens já consideram sossegar, se casar ou decolar a carreira. Claro que não
existe regra de comportamento nem idade certa, mas a gente já começa a ter a
consciência de que o tempo passa, nosso corpo já não aguenta mais o tranco e
que é hora de consolidar e solidificar um futuro.
Às vezes a vida passa, as coisas mudam e a gente nem percebe que
está nos Quase Trinta. Eu escolhi ter um click, um algo a mais para me motivar
a fazer coisas que jamais me julgaria capaz. E comecei pelas coisas mais
simbólicas. Pesquisas apontam que, a cada sete anos, temos uma renovação total
das nossas células do corpo. A cada sete anos temos um corpo novo com células
diferentes das que tínhamos. Se até o que se pode tocar se renova, por quê não
também o intangível?
Livros, cartas, roupas, fotos, presentes, lembranças de algo que
foi bom, mas passou e já não tem mais lugar na vida que escolhemos. Pessoas também
entraram neste processo. Nos Quase Trinta
eu percebi que uma agenda cheia de meio amigos não me faz mais querido. Uma
estante cheia de livros não me faz mais inteligente. Um guarda roupas lotado
não me deixa mais na moda. São poucas as coisas que o tempo não corrói.
O céu de Ícaro
tem mais poesia que o de Galileu. Aprendi a
importância das pequenas coisas e o significado delas. A fase do excesso
passou. Nos Quase Trinta não carrego
mais do que preciso, não valorizo mais do que é justo, não espero mais do que o
que me é dado. Tudo que é peso já não é bem vindo e é hora de deixar o que
excede na beira da estrada. E, porra, é tão difícil. É difícil porque a
sensação é de que estamos desistindo de quem sempre fomos, mesmo sabendo que
essas lacunas sempre serão preenchidas.
Incrível como um mesmo gesto pode significar coisas muitas vezes
opostas. A gente abre a boca pra dizer que ama, abre a boca pra dizer que
odeia. Mostra os dentes pra demonstrar felicidade para os amigos, mostra os
dentes pra demonstrar apreensão para o dentista. Chora de alegria, chora de
tristeza, chora de amor, chora de ódio, chora por tudo. Chorar é um desafio
semiótico. É a desarmonia entre significante e significado de um mesmo signo.
Mas nos Quase Trinta, se entender já não é o objetivo. A gente se contenta em se
aceitar.
Eu
aceito que já não tenho a mesma disposição, mas também aceito que ainda tenho
muito a viver. Eu aceito que muitas coisas que ontem eram boas, hoje já não
são, mas para que eu possa buscar coisas novas. Eu aceito que já passei por
poucas e boas, e que isso vai acontecer pelo resto da minha vida. Eu aceito que
muita gente que já foi importante hoje já não é, mas que podem voltar a ser se
for de comum acordo. Eu aceito que os Quase Trinta antes eram o fim, mas hoje é
apenas o começo. O começo de um eu melhor.