sexta-feira, 26 de julho de 2013

Antes que termine o dia

   Nunca me apeteceram as críticas de cinema, somente as da vida. Mas hoje vou usar da sétima arte para tentar entender um pouco dos laços que nos mantém vivos. Anos atrás me deram ótimas recomendações sobre o romance Antes que termine o dia. Logo que ouvi a palavra romance, torci o nariz. Nunca fui lá muito fã de histórias que passam longe do que acontecem no nosso dia a dia, mas nos dão a ilusão de que um dia possa acontecer. Pra mim, filmes tinham que mostrar uma realidade completamente surreal ou algo que realmente possa acontecer. Peguei meu copo de intolerância, um balde cheio de preconceitos e apertei o play.

O filme conta a história de um casal que vive em Londres. Samantha é uma musicista recém-formada e romântica; Ian, um geneticista conceituado e workaholic. Ela faz planos de vida; ele, de trabalho. Ela sente; ele pensa. O filme relata um dia inteiro do casal – dia também da formatura de Samantha –, até que no fim, o casal tem uma discussão e ela morre em um acidente de trânsito. O filme não deixa claro se por uma premonição ou uma segunda chance da vida, Ian acorda no outro dia e encontra Samantha ao seu lado. Assustado, percebe que tudo que aconteceu no dia da morte de Samantha está acontecendo novamente, só que de forma diferente. Percebendo isso, tenta fazer daquele dia o melhor da vida deles. Resultado: posso rever o filme 30 vezes, 30 vezes chorarei.

Passando da arte para a vida, o filme me fez pensar sobre nossas fragilidades e a imprevisibilidade do futuro.  Será que estou realmente vivendo cada dia de forma a não me arrepender caso seja hoje meu último dia na Terra? Quais as minhas prioridades? Será que realmente é preciso perder para dar o devido valor? Fiz uma auto avaliação e cheguei à seguinte conclusão:

Antes que termine o dia vou me dedicar ao máximo ao meu trabalho, enquanto estiver nele. Não importa se meu ofício atual seja o que eu sempre sonhei, mas farei o melhor que estiver ao meu alcance no momento. Serei cordial com meus colegas, paciente com meus clientes e sereno com meu chefe.

Antes que termine o dia direi aos meus pais e familiares o quanto os amo. Farei o que for possível para estreitar ainda mais os laços de sangue que nos unem. Serei honesto com todos, mas principalmente com aqueles que fazem parte da minha rotina diária. Serei verdadeiro e sempre os deixarei com um bom dia carinhoso ao ir para o trabalho ou lazer.

Antes que termine o dia serei o melhor namorado que consiga ser. Ficarei atento às necessidades do meu companheiro, serei paciente quando for preciso e deixarei de pensar só em mim. Serei carinhoso e darei o devido valor para que, ao contrário de Ian, o remorso não me corroa.

Antes que termine o dia serei melhor comigo mesmo, pois sei que o tempo só será generoso comigo se eu mesmo o for. Cuidarei do meu corpo para prevenir enfermidades. Cuidarei da minha mente para que não seja só um corpo vazio. Cuidarei da minha alma para que haja equilíbrio interno.


Meu maior desejo é que, antes que terminem os dias, meus dias não sejam em vão.

"The only thing you can control is your own choices"

terça-feira, 16 de julho de 2013

Amadorismos


Certa vez vi uma entrevista que Clarice Lispector concedeu na década de 70 em que dizia sobre seus hiatos criativos, explicando o porquê de passar tempos sem produzir textos e outros onde escrevia com voracidade. Sempre séria, foi categórica: Eu não sou profissional, só escrevo quando quero. Sempre fui amadora e faço questão de  continuar sendo amadora. Duas frases que caíram como uma bigorna na minha cabeça.

O mercado está ávido de bons profissionais. Anúncios de jornais, comerciais de universidades, cursos e workshops esfregam na sua cara que não basta ser apenas bom no que faz: você precisa ser o melhor. Enxertam na cabeça dos jovens uma série de fórmulas e teorias como fórmula do sucesso, criando a ilusão da realização plena por meio delas. De certo, não me refiro às ciências exatas e médicas. São anos de pesquisas para se chegar a um resultado. Mas em todas as outras, é mais que necessário que sejamos amadores.

Na etimologia da palavra, amador faz com amor. E todo amor vem repleto de dedicação e boa vontade, que são, para mim, a verdadeira fórmula do sucesso. Quer ser bem sucedido em qualquer área da vida? Use da dedicação e boa vontade. Verdadeiras amizades pedem, relacionamentos duradouros exigem e auto realização clama para que sejamos amadores. Sem obrigações excessivas, sem muitas cobranças, sem martírios, apenas fazendo com amor e responsabilidade.

Ao contrário dos bons profissionais, que começam cedo, os amadores não têm idade pra começar. Pode ser aos 15, aos 25 ou até mesmo aos 70, qualquer um é amador em alguma coisa, só falta investimento de tempo, dedicação e boa vontade. E não precisa ser o melhor desde sempre: amadores vão se lapidando com o tempo, assim como Clarice.


Confesso que ainda preciso de mais abstração para absorver a profundidade da obra de Clarice, mas apenas vendo esta entrevista percebi que ela não só nos choca com o explícito, mas nos faz refletir com o implícito. Amadoramente profissional, ela nos ensina através do próprio exemplo que realização pouco tem a ver com as técnicas que você aprendeu, mas sim o amor com o qual você as aperfeiçoou. 

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Não me venham com a fábula do jardim



A cada desilusão amorosa a história é quase sempre a mesma: cuide bem do seu jardim para que as borboletas venham até você. Por melhores que sejam as intenções dos amigos, esse papo já não cola mais. Pode até funcionar com uma adolescente que inicia sua vida sentimental e ainda tem muito a aprender sobre as decepções da vida, mas comigo, não.

Cuidei até demais do meu jardim e, modestamente, ele está lindo. Podei os traumas, reguei esperanças, arranquei as ervas daninhas das mágoas, capinei o canteiro das qualidades para que ficassem bem visíveis para quem visitasse minha flora. Sei que ainda há muito trabalho pela frente, mas qualquer pessoa com o mínimo de sensibilidade que chegar irá parabenizar pelo belíssimo trabalho que fiz.

Meu jardim é vasto e vêm sendo cuidado desde que me considero importante na vida de alguém, e isso faz muito tempo. Foi preciso empenho, disciplina e muita paciência para esta obra da qual tanto me orgulho e, hoje, as placas de não pise na grama estão por todos os lados. Talhadas por mim nos mais rigorosos invernos, são lembretes bem visíveis para que os visitantes respeitem os caminhos onde pisam.

Tenho um orgulho danado dos meus canteiros e tenho a consciência de quão felizardos são aqueles que deixo entrar. E são poucos. Embora o terreno seja meu e o trabalho fique por minha conta, deixo que visitantes tragam sementes e plantem nesta terra boa. Contanto que haja harmonia com o que já está feito, sou bem permissivo e pouco ciumento com minhas flores.

Então se, porventura, alguém pise na minha grama, despedace minhas flores e arranque alguns galhos, a culpa não é minha de não ter cuidado do meu jardim. Tenho lá minha parcela de responsabilidade por ter permitido a entrada, mas não venha me recomendar algo que eu já faço. Amigos, por favor, inventem outra fábula.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Marcela é publicitária. Clara, advogada. Marcela é extrovertida, trabalha com o que ama, mora com os pais e o irmão mais novo. Clara é extremamente tímida, formou-se em direito por imposição dos pais, mora sozinha e é alérgica a qualquer tipo de animal. Marcela faz planos para o futuro. Clara vive lá, pois não suporta a ideia estar no presente. Marcela mora em Brasília, Clara em Porto Alegre. Marcela é o oposto de Clara. Clara é o oposto de Marcela. Marcela e Clara talvez nunca vão se conhecer, mas uma coisa elas têm em comum: ambas sonham com o dia do seu casamento. 

A principal diferença entre Marcela e Clara neste aspecto, é que, enquanto Clara pensa que só após o casamento será feliz por completo, Marcela se considera completamente feliz e o casamento é uma das coisas que a compõe. Clara é pragmática em suas decisões, cheia de protocolos. Marcela é prática e leve nas coisas que diz. Enquanto uma planeja e peleja para ter seu happy end, a outra diz que o final é só quando a gente morre e, antes disso, tudo é festa. 

Marcela tem espírito daquelas modelos de comercial de margarina. Vive sorrindo, quase nada abala seu bom humor, canta no carro em meio ao trânsito, dança na chuva e adora, ADORA, surpresas. Foi pedida em casamento no meio do expediente, com a agência toda emocionada e boquiaberta com a criatividade de seu namorado. Disse “sim”, o abraçou e beijou como se nada mais existisse além dos dois. Que se dane a opinião alheia!

Clara pensou duas vezes antes de aceitar seu pedido de casamento, que foi feito também de surpresa em um almoço de domingo, em que somente a família estava. Não sabia onde enfiar a cabeça de tanta vergonha. Clara não sabe lidar com surpresas e pra ela tudo precisa ser pré-agendado com, no mínimo, uma semana de antecedência. Precisa se programar, se vestir adequadamente, usar o perfume certo, assim como as palavras.

Eu tenho pena de Clara. Vive deixando tudo pra depois e se esquece de que o futuro nunca chega. A gente nasce, cresce e morre no presente e é nele que precisamos viver. Marcela talvez nunca seja rica, vire empresária de sucesso ou deixe um grande legado, mas todos se lembrarão de como ela soube viver. Às vezes precisamos ser um pouco mais Marcela e menos Clara. Já que não temos controle de tudo, que ao menos tenhamos o controle de nossas reações.