Não faz muito tempo que encontrei
um amigo de longa data, daqueles que as circunstâncias tratam de afastar mesmo
depois de tantos momentos vividos. Estávamos em uma livraria comprando
presentes, nos esbarramos sem querer e ficamos cerca de uma hora relembrando histórias
e rindo como se tudo tivesse acontecido ontem mesmo. Foram viagens, passeios,
festas e momentos que certamente ficarão para sempre em nossas memórias.
Mas hoje tudo tem memória.
Celular tem, TV tem, computador tem e até mesmo automóvel tem memória. Não faz
muito tempo que ela acontecia apenas no plano imaterial: a gente vivia pra
depois lembrar daquilo com carinho. Agora há uma necessidade quase
incontrolável de se registrar cada momento, cada frame, cada pedaço. Pessoas
pagam caro para assistir a um espetáculo e enrijecem os braços por horas só
para fazer um vídeo perfeito.
Ano passado fui vítima da ilusão
da tecnologia. Assisti a uma peça de teatro que me emocionou profundamente pelo
texto, cenário e sintonia entre atores e diretores. Gostei tanto que fiz questão
de ir mais uma vez, agora com um gravador de áudio para registrar cada fala e
ficou até muito bom. Porém, para minha surpresa, nunca consegui ouvir o áudio
completo, pois não consegui registrar em áudio a emoção que a peça me trouxe.
Não tem valor sentimental, muito menos financeiro. Irei quantas vezes
necessário, mas gravar, nunca mais.
Acredito que isso venha do prazer
em compartilhar com os entes cada momento, mesmo quando ausentes. Sendo curto e
grosso, quem não estava lá não merece lembrar e mesmo que veja um milhão de
fotos, nunca vai ter a mesma sensação de quem esteve. Nada contra quem gosta de
registrar momentos, mas as coisas estão caminhando de um jeito que em pouco
tempo as memórias deixarão de ser lembrança e serão completamente
digitalizadas e descartáveis com um simples clique.
É claro que não serei herege em me
posicionar contra as fotografias e vídeos, mas sou completamente a favor de um
uso consciente e do compartilhamento ainda mais sensato das tecnologias. Lembro
da frase de uma amiga que diz “Life is too good to be shared”, ou “A vida é
muito boa para ser compartilhada”. Guarde o que você viveu e compartilhe apenas
o essencial. O registro é importante, mas de menor valia que a lembrança, pois
é acionado de qualquer maneira, por qualquer um, sem a menor cerimônia. Já a
lembrança nos acalma o coração, deixa um sorriso nos lábios e a sensação de que
um dia, de fato, fomos felizes.