sábado, 25 de janeiro de 2014

Memórias

Não faz muito tempo que encontrei um amigo de longa data, daqueles que as circunstâncias tratam de afastar mesmo depois de tantos momentos vividos. Estávamos em uma livraria comprando presentes, nos esbarramos sem querer e ficamos cerca de uma hora relembrando histórias e rindo como se tudo tivesse acontecido ontem mesmo. Foram viagens, passeios, festas e momentos que certamente ficarão para sempre em nossas memórias.

Mas hoje tudo tem memória. Celular tem, TV tem, computador tem e até mesmo automóvel tem memória. Não faz muito tempo que ela acontecia apenas no plano imaterial: a gente vivia pra depois lembrar daquilo com carinho. Agora há uma necessidade quase incontrolável de se registrar cada momento, cada frame, cada pedaço. Pessoas pagam caro para assistir a um espetáculo e enrijecem os braços por horas só para fazer um vídeo perfeito.

Ano passado fui vítima da ilusão da tecnologia. Assisti a uma peça de teatro que me emocionou profundamente pelo texto, cenário e sintonia entre atores e diretores. Gostei tanto que fiz questão de ir mais uma vez, agora com um gravador de áudio para registrar cada fala e ficou até muito bom. Porém, para minha surpresa, nunca consegui ouvir o áudio completo, pois não consegui registrar em áudio a emoção que a peça me trouxe. Não tem valor sentimental, muito menos financeiro. Irei quantas vezes necessário, mas gravar, nunca mais.  

Acredito que isso venha do prazer em compartilhar com os entes cada momento, mesmo quando ausentes. Sendo curto e grosso, quem não estava lá não merece lembrar e mesmo que veja um milhão de fotos, nunca vai ter a mesma sensação de quem esteve. Nada contra quem gosta de registrar momentos, mas as coisas estão caminhando de um jeito que em pouco tempo as memórias deixarão de ser lembrança e serão completamente digitalizadas e descartáveis com um simples clique.


É claro que não serei herege em me posicionar contra as fotografias e vídeos, mas sou completamente a favor de um uso consciente e do compartilhamento ainda mais sensato das tecnologias. Lembro da frase de uma amiga que diz “Life is too good to be shared”, ou “A vida é muito boa para ser compartilhada”. Guarde o que você viveu e compartilhe apenas o essencial. O registro é importante, mas de menor valia que a lembrança, pois é acionado de qualquer maneira, por qualquer um, sem a menor cerimônia. Já a lembrança nos acalma o coração, deixa um sorriso nos lábios e a sensação de que um dia, de fato, fomos felizes.