terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Racionamento de vida


Nunca se falou tanto em racionamento quanto nos últimos dez ou vinte anos. Nos aconselham a utilizar de forma racional muita coisa que antes tínhamos em fartura para que as próximas gerações também possam usufruir dos recursos. Água, energia, alimentos, petróleo e outros recursos naturais hoje nos dão uma noção de finitude: nada é para sempre. Mas devemos ter em mente que racionar não significa economizar, mas usar de forma consciente. 

Tem muita gente economizando vida. 

Mal nascemos e nossos pais já dizem: quando crescer vai ser doutor. Querem adiantar nossos primeiros passos, as primeiras palavras, o primeiro quebra cabeças e uma gama de outras coisas que só visam quais serão nossas capacidades cognitivas no futuro. A grande verdade é que, dos 0 aos 17 anos, a criança é preparada para o vestibular. Ela passa, mas, e agora?

Faculdades são fábricas de sonhos perfeitos. Todo ano formam milhares de médicos, advogados, engenheiros que investem grana e esperança numa profissão que o indivíduo deve seguir para o resto da vida. Enquanto estudam, pensam na formatura. Enquanto se formam, pensam no mercado de trabalho. Enquanto trabalham, pensam na estabilidade. Enquanto se estabilizam, pensam na aposentadoria. Só quando se aposentam, pensam em viver, mas aí o corpo já não consegue acompanhar os desejos da mente. 

Num caminho totalmente oposto ao dos recursos naturais, quanto mais vivemos, mais vida temos. Não perca uma viagem de férias com os amigos só pensando em economizar para comprar seu carro, oportunidades de compra aparecem todos os dias, oportunidades de viver momentos, não. O grande amor da sua vida, como retratam nos filmes, pode nunca aparecer. Construa bases sólidas com quem você se sente bem e enxergam um mesmo futuro. Caminhe na chuva, pare uns instantes para apreciar um pôr do sol, seja gentil com as pessoas. 

Saiba diferenciar FELICIDADE de REALIZAÇÕES. Conseguir um excelente emprego ou comprar seu apartamento são grandes realizações que podem ou não lhe trazer felicidade. Ser feliz está na forma como você usa as ferramentas que possui. 

A virada do ano é um novo ciclo somente para calendários e atividades burocráticas. Não preciso do Primeiro de Janeiro para começar uma nova vida, uma nova dieta, uma nova atitude. Mas pelo poder de motivação que um ano novinho nos traz, meu desejo é que em 2014 a gente não economize vida, não desperdice momentos e não racione amor. Que o próximo ano o recurso natural Vida seja inesgotável e acessível a todos. 

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

E se eu fosse eu?


O título deste texto não é meu, embora gostaria que fosse. Faz parte do texto do espetáculo Prazer, da companhia de teatro Luna Lunera, aqui de Belo Horizonte. Ultrapassando os limites do clichê, esta foi uma peça em que todos os elementos possíveis conspiravam para que eu não assistisse. Dor de cabeça, chuva, congestionamentos inexplicáveis e uma série de outros fatores me levavam contra o convite de uma grande amiga, mas fui. E tive a sensação de que  estava justamente onde deveria estar.

Prazer conta a história de quatro amigos que se reencontram em algum lugar do estrangeiro após anos de distância. Entre bebidas, sorrisos, presentes e histórias, eles começam a questionar os rumos que suas vidas tomaram e, de uma forma extremamente bem amarrada, o texto coloca o espectador em xeque o tempo todo. Entre eles está o título desta crônica: e se eu fosse eu? O que faria? 

Pela primeira vez em muito tempo ouvi uma pergunta que me deixou sem resposta nem palpite. Não sei. Desde a consciência da minha existência tenho sido exemplo, seguido regras e feito tudo como manda o script. Mas quem escreveu esse texto? Quem ditou o que eu deveria ter feito até aqui? Quem limitou a minha participação no mundo a uma trajetória prevista, óbvia, estática? Eu que não fui.

Se eu fosse eu, seria alguém mais livre de convenções e seria educado apenas por reciprocidade. "Legal comigo, legal contigo". Se eu fosse eu não descansaria enquanto não encontrasse um ofício que me desse realmente prazer para que trabalhar parecesse hobby e eu conseguisse total prazer nisso. Se eu fosse eu, saberia que a hora de começar é a hora que eu sinto vontade - mesmo não estando preparado -, e que a hora de parar é a hora que eu achar que não vale mais a pena persistir. 

Se eu fosse eu, de verdade, não teria metade dos amigos que tenho, pois seria necessário o dobro de paciência para me aguentar. Se eu fosse eu, moraria em Roma, Praga, Curitiba ou Dubai e seria extremamente feliz por estar ao invés de pertencer, pois esta é uma verdade quase que incontestável. Se eu fosse eu, amaria sem limites e declararia meus sentimentos sem medo de rejeição ou vergonha do escândalo.

Mas eu não sou eu, você não é você, e por mais desprendido das convenções que possamos ser, ainda seguimos o script da rebeldia, pois até quem vai contra a maré ruma para algum sentido. Esta é a nossa condição, o que não significa que não podemos às vezes sair um pouco do roteiro, criar nossa própria história e compor o personagem "eu" de forma primorosa, como escritor nenhum faria. 

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013



Quanto mais nos aproximamos da tão criticada Copa do Mundo de 2014, que será sediada em nosso país, mais nos deparamos com nossas dificuldades para receber um evento deste porte. Para os novos revolucionários - pois os cara-pintadas só querem um sofá, cerveja gelada e que essa juventude cale a boca - a pauta é sempre a mesma: falta estrutura. Falta transporte público de qualidade, faltam hospitais decentes, faltam investimentos em vias públicas e uma série de reinvindicações que não cabe a mim dizer. Pedidos legítimos, já que estamos longe de alcançar os índices dos países de primeiro mundo, mas a estrutura que está realmente defasada em nosso país são as pessoas. 

Ontem, a partida decisiva entre Atlético Paranaense e Vasco pelo Campeonato Brasileiro foi interrompida por conta de uma selvageria sem igual entre as torcidas. O país ficou estarrecido com tamanha violência que levou quatro torcedores presos e três hospitalizados em estado grave. O mesmo aconteceu na festa de comemoração da vitória do Cruzeiro, só que desta vez foi mais imcompreensível: integrantes da mesma torcida se degladiando em praça pública, fazendo cancelar a festa que iria acontecer próximo ao estádio do Mineirão.

Dois exemplos entre vários que poderia citar para mostrar que a principal matéria prima de um país são as pessoas e são suas atitudes que mostram o quão desenvolvido é o local. E os telejornais insistem em classificar os agressores como vândalos e marginais, mas nunca como torcedores. Ele é vândalo, mas antes disso é torcedor, sim. O motivo que o levou à violência foi a paixão pelo time. Enquanto a gente continuar jogando a responsabilidade para o outro, tanto no governo quanto em nossas relações pessoais, a realidade só tende a piorar. 

O Brasil é um país lindo e nosso povo é sem igual, porém o mesmo povo não vende a imagem do país que a gente quer. Todo bom comerciante sabe que para vender o produto é preciso enfatizar nas qualidades, mas nós vendemos um Brasil com defeitos. Mas é uma atitude inteligente, pois é mais fácil criticar do que promover mudança. Demos o nosso tão famoso jeitinho brasileiro.

De nada adianta eu clamar nas ruas por educação se uso da "colinha" em prova; não tenho o direito de protestar contra a corrupção se uso de meios ilícitos para tirar quaisquer vantagens; que moral eu tenho para pedir um novo país o qual não estou preparado para receber?