sábado, 29 de novembro de 2014

IMORTAIS

Sempre estranhei o fato de que a morte gera mais comoção que a vida. Salvo as devidas proporções, já que são sentimentos completamente opostos, é difícil ver alguém comemorar o nascimento de um bebê com tanta intensidade quanto chora pela perda de um ente. Acredito que a partir do momento que nascemos nos tornamos imortais. Alguns mais, outros menos, mas todos trazemos em nós a essência do infinito que permanece conosco mesmo quando se apaga a chama da vida.

Digo isso pois Roberto Gomes Bolaños, um dos grandes gênios da dramaturgia, já não está mais acessível aos nossos sentidos, embora seja imortal. Chespirito, como era conhecido, se imortalizou através de suas obras. Em quase 60 anos de carreira ele deu vida a diversos personagens como Chaves (seu Magnum Opus), Chapolin, Professor Chapatin, entre outros que nunca morrerão enquanto houver memória.

Assim como ele é imortal para a televisão, temos imortais na música, no cinema, na medicina, na política, na culinária e até mesmo nos serviços mais simples e menos reconhecidos. Cássia Eller estava super viva no som do meu carro esta manhã. Gabriel García Marquez revive a cada página aberta em seus livros. Hebe Camargo me sorri até as orelhas quando vejo seu acervo. Bolaños pode não mais estar acessível aos nossos sentidos, mas se imortalizou por tudo que criou na sua vida e talvez isso ajude a amenizar sua ausência.

Sinceramente acredito que nosso maior medo não é o de morrer ou como vamos morrer. A maior angústia que sentimos é porque o tempo passa e nunca paramos para apreciar nossas obras e, por isso, temos o receio de cair no esquecimento. O vazio incomoda. Justifico, então, a dependência que a fama causa em algumas pessoas e a abstinência quando um artista cai no esquecimento do público que o costumava ovacionar.


 A morte de Chespirito, assim como a de outros grandes nomes, me faz pensar sobre a fragilidade do humano perto da fortaleza de suas obras. Elas transcendem o criador, tomam vida própria e se consolidam no terreno das memórias. Que todos sejamos grandes não por quem fomos, mas pelo que criamos.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O QUE TE BASTA?

Coisas deixam de ser apenas coisas quando se transformam em memórias. Pode ser uma música, um livo, um caderno antigo, um ingresso de show ou qualquer outra coisa que nos conecte ao passado. Dias atrás caminhava pelas ruas do bairro quando passei próximo à escola onde concluí o ensino fundamental e aquilo foi o suficiente para eu voltar quase vinte anos da minha vida. Eu não me lembro de tudo, mas os detalhes eu sei de cor. Do cheiro da minha merendeira, do meu lugar favorito na cantina, da quase ausente iluminação da biblioteca e, principalmente, da vista da janela.

O tempo fez com que eu me esquecesse de muita coisa vivida naquele local, mas a vista da janela é algo que dificilmente sairá da minha cabeça. Acho que ali se revelava minha natureza contemplativa e pode ser que daquela pequena visão de mundo, um universo se abria dentro de mim. Para mim não existia nada além do que meus olhos podiam ver e aquilo me bastava. Talvez seja isso o que nós, adultos, tanto precisamos: o que nos basta.

A gente nasce, cresce e morre cheio de desejos, mas a intensidade com que eles se manifestam ao longo da vida vai se modificando e isso é determinante para nossa sensação de (in)felicidade. Desejos são apenas caprichos. Quando a criança quer algo ela chora, esperneia, e grita se necessário, mas quando você a distrai com outra coisa, ela logo esquece e vai de encontro ao que lhe chama atenção. Adultos, ao contrário, não choram e correm atrás do que querem e, quando conseguem, aquilo perde o valor. Já os idosos, sábios, querem mas não fazem tanto esforço para alcançar. O motivo? Sabem diferenciar desejos de necessidades.

Ester Rodrigues dizia: Crianças a mais, idosos a menos, que diferença isso faz? De certo, não faz diferença se pensarmos que a vida é um ciclo que precisamos errar para aprender o básico. Crianças e idosos são sinceros quando amam. Crianças e idosos precisam de cuidados especiais. Crianças e idosos fazem pirraça e às vezes, por descuido ou não, fazem as necessidades na roupa. Crianças e idosos são sinceros. Crianças e idosos são apenas essência.


 Crianças e idosos não precisam de muito, o que nos leva a concluir que a gente leva uma vida inteira para aprender o que já nascemos sabendo: o necessário nada tem a ver com o essencial e grandes obras só interessam aos olhos dos outros. O que nos dá base firme são nossas experiências da infância e o que aprendemos com elas. Posso passar uma vida de incríveis experiências na fase adulta e ainda não sei o que me aguarda na velhice, mas poucas coisas me farão sentir tão bem quanto a vista da janela da escola.