terça-feira, 31 de julho de 2012

Os laços do acaso



A fórmula parece ser simples. Você toma um banho rápido, se arruma pra festa como quem vai pra padaria e, quando menos se espera, conhece aquela pessoa que abala suas estruturas e pode fazer parte dos seus dias por um bom tempo, se for de comum acordo. Mas logo hoje, Santo Antônio? Logo hoje que deixei a barba por fazer, usei aquela camisa relaxada de tanto usar e apareceu aquela espinha bem no meio da testa? O acaso não é adepto a previsibilidades.

Aquela troca de olhares, barriga pra dentro, peito pra fora e sua coluna ereta como um mastro. Ih, ele fuma! Não é uma das coisas que você apreciaria no homem ideal, mas não custa nada tentar. Até que, naquele impulso de coragem, vocês começam a conversar. Poucas palavras, muitos olhares e tão logo estão lá vocês, se beijando. Há quem perguntava se eram um ou dois com tamanha interação entre os corpos. O cigarro e as vestes dele, demasiadamente estranhas, já não eram nada. Você já se rendeu àquele beijo que parou o mundo.

Trocaram telefones, se ligaram e tão logo já estavam se encontrando num bar qualquer pra se conhecer melhor. Blá blá blá, conversas e auto definições e, mais uma vez, aquele beijo no carro. O mesmo beijo que te faz perder o rumo de casa. E aquela paixão fulminante foi tomando conta e em apenas três semanas, viveram loucuras que casais juntos há trinta anos não fizeram. E como foi bom.

Novamente o acaso entra em ação. Se antes foi pra ajudar, agora ele passa uma rasteira daquelas de deixar pouca coisa em pé. Palavras, atos e desvios separam o que parecia estar consolidado. O tempo passa, mas o que deveria ser esquecido está mais presente que nunca e a memória se encarrega de machucar o coração de ambos. Poucas ligações não são suficientes para matar a saudade daquela voz ao pé do ouvido, daquele beijo safado com leve gosto de cigarro, da forma como seus corpos se encaixam no abraço e ao dormir de conchinha.

Mas desta vez eles deram férias ao acaso e foram tentar por si próprios. Marcaram um encontro pra saber se ainda bate e pulsa aquela mesma sensação que antes os uniu. Mas tudo é um processo e, desta vez, exige disciplina, esforço e vontade das duas partes. Laços como estes, fragilizados, carecem de forças iguais para que se tornem fortes novamente. O que os resta é esperar que o tempo, o acaso e a paciência sejam generosos.


"É bobagem chorar por laços que parecem desfeitos, mas que continuam firmes. Alguns laços são teimosos. As vezes a gente pensa: 'puf! Lá se foi ele!'. Mas ele vai estar sempre ali, que nem alguns amores."

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Sobre amizade e semântica


Que os defensores da boa gramática não nos ouçam, mas para mim, amigo não é substantivo. Amigo é verbo. Ninguém nasce amigo. Este título é conquistado por atos, palavras, silêncios, olhares, risos, choros... movimento. Quer palavra melhor para definir tão belo vocábulo? Amigos causam movimentos na alma e no coração. Se conhecem, se divertem, se consagram, se mudam, se ligam, se encontram.
Com suas mais diversas conjugações, amigo transita facilmente entre os tempos verbais e, sem que possamos perceber, se situa no passado, presente e futuro sem necessidade de alterações. Usam da prosopopeia ao resumir diálogos inteiros com apenas um olhar, “hiperbolizam” ao dar aquele conselho milhões de vezes e não são muito adeptos de eufemismos. Amigo que é amigo fala rasgado, em alto e bom tom.

Um ser sem amigos é sujeito sem predicado, verbo que não conjuga, pronome indefinido. Colegas são falsos amigos, pois não conseguem se conjugar no futuro. Amigos definem nosso caráter, interferem no nosso destino, moldam nossa história. Sujeito que não se relaciona é oculto na sentença da vida.

Tanta gramática pra definir algo tão simples e tão concreto. Tudo isso pra desejar que hoje, dia internacional do amigo, você saiba valorizar quem realmente está ao seu lado.  Que juntos possam dominar o mundo ou apenas tomar uma cerveja num fim de tarde, mas que tenham momentos inesquecíveis. Que assim como qualquer relação humana, ambos saibam reconhecer sua importância e não deixar que a chama se apague. Pois sim, amigo é verbo.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

As palavras que a boca não diz


Difícil é começar a verbalizar quando se tem muito a dizer. Seja dizendo, escrevendo ou demonstrando, quase sempre metemos os pés pelas mãos ao tentar passar para o outro aquilo que está dentro de nós e clama pra sair. Olhares para o horizonte, silêncios e inquietudes se transformam em atitudes involuntárias e, por mais que tentamos, eles estão sempre presentes. Boca seca, mão fria e até aquela síndrome das pernas inquietas, tudo isso para ser honesto com o outro e o deixar consciente da situação.
Você está ali, vulnerável e nu. Despido de quaisquer convenções ou máscaras que escondam a verdade. Qualquer punhalada ou golpe não previsto atravessará sua carne e atingirá direto o coração, causando uma hemorragia que dói, e como dói. Mas força, você precisa dizer, ele precisa ouvir e, por mais que não queiram, alguém há de se ferir.
O problema está quando a honestidade que você tanto preza se transforma em via de mão única não vem da outra parte. Quando há coisas a se dizer e, por algum motivo, não são verbalizadas. Quando é mais que notório que algo aconteceu ou está prestes aconteceu e então... silêncio. Um silêncio que grita, perturba, tira o sono e a paz. Um silêncio que era pra ser sinônimo de vazio e, ao contrário, significa muito a se dizer, muito a se sentir, mas falta coragem.
Pausas como estas nos deixam insones e dão margem para uma série de questionamentos e uma infinidade de histórias inventadas. As mais trágicas, diga-se de passagem. Mas, guardadas as devidas proporções, você não passa de um mero ouvinte e lhe cabem duas alternativas: relevar e pensar que, de fato, não seja nada, ou então ir em busca da verdade. Mas, meu amigo, caso tenha escolhido a segunda alternativa, prepare-se, pois pode ser a reclamação mais infantil e infundada ou a realização das tuas temidas histórias inventadas.