quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Cuidado

Dentre as milhares de palavras que compõem nosso alfabeto, algumas demandam mais atenção. Bastam ser mencionadas que todos ficam alerta, com músculos rígidos e movimentos precisos. Tensão. Mas as mesmas palavras, quando ditas em outro contexto, denotam carinho e extrema atenção com algo ou alguém com quem temos afeto. Uma delas, em especial, ouvimos e dizemos em todas as fases da vida como forma de proteção: cuidado.

Desde que nascemos, somos cercados de cuidados. Médicos e enfermeiras preparados para nossa estreia no mundo, tios ansiosos, avós apreensivos, pai à beira de um ataque de nervos, até que a gente chega e é mimo pra tudo quanto é lado. Banhos na temperatura certa, mantas, cobertores, cuidados com o umbigo e com ambientes frios são apenas alguns dos cuidados que temos em nossos primeiros meses aqui.

Crianças demandam outro tipo de cuidado, os físicos. Avisos e broncas nos advertindo dos perigos e, mesmo assim, a gente machuca, rala o joelho, corta a testa, quebra o pé... “Quem não escuta cuidado, escuta coitado”, frase que pesa como uma bigorna em nossa consciência. Adolescentes já não se machucam tanto, mas os cuidados agora são com perigos do mundo. É uma fase de descoberta e que não estamos devidamente preparados para o que vamos enfrentar, embora tenhamos a plena certeza da nossa auto-suficiência. Idosos viram crianças e demandam atenções parecidas. Cuidados para não cair, ao se levantar da cama, ao pisar no chão molhado, ao sair sem agasalho nos dias frios. São parecidos, embora o processo de recuperação não seja tão rápido quanto antigamente.

Adultos são os que parecem que menos precisam de cuidado, mas é onde mora o erro. Focamos tanto nos mais vulneráveis fisicamente que nos esquecemos de cuidar do principal pilar que nos sustenta: quem somos. Adultos estão no auge de suas vidas. Possuem objetivos de curto, médio e longo prazo, trabalho, família, amigos, obrigações consigo mesmo e com o governo, e uma infinidade de outras responsabilidades. Projetam-se no futuro, são nostálgicos lembrando-se do passado e se esquecem do poder do agora.

“Adultos não têm tempo pra cuidar de si”, pensam. E, de certa forma, estão certos. Se não temos o instinto de cuidar somente de nós mesmos, então que cuidemos também de outros adultos. É aí que surgem os laços de amor, tão importantes para nossa convivência. Quem ama cuida e é por isso que nos atentamos tanto às crianças e idosos. Alguns mais cuidadosos, outros menos, cada um dá o que pode e acha que deve. Mas se recebo o cuidado de alguém, por que não retribuir?


Posso optar por relações efêmeras, na qual cuido de mim e o outro que se dane, não serei a pior pessoa do mundo por isso. Mas, no fim, qual vai ser minha recompensa? Adultos não perdem tempo, plantam agora para colher lá na frente, sabem que toda escolha tem um preço e que este seja o menor possível. Na natureza isso tem nome: mutualismo. Como bons mamíferos que somos, que possamos aprender com nossos semelhantes.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Intervenções

Elas estão por toda parte: nas ruas, empresas, comércios e também nas relações. Diariamente somos surpreendidos por intervenções das mais variadas naturezas que nos obrigam a mudar nosso percurso e tomar um caminho diferente, muitas vezes desconhecido. Basta uma divergência, uma desarmonia ou um simples embate de idéias que logo chega alguém propondo uma mudança do acordo anterior.

Quem mora em cidade grande diariamente lida com as intervenções do trânsito. É alteração de circulação em ruas, implantação de semáforo em cruzamentos, rotatórias, lombadas e as infindas obras, tudo em prol do progresso. Acostumar-se a elas demanda tempo. Nos primeiros dias são erros, engarrafamentos e até alguns acidentes que, com o tempo, vão diminuindo. É a dinâmica das cidades: mudar para evoluir.

No universo corporativo as mudanças são constantes e quase sempre mal vistas pelos colaboradores. Circulares causam calafrios e memorandos deixam todos de orelha em pé. Mesmo antes de saber do que se trata, ouvem-se cochichos de “lá vem”, “de novo?” e até mesmo “ferrou, galera. Muito prazer e até qualquer dia”. Mas é vital pra qualquer instituição que queira manter-se de pé, pois o mercado muda, a legislação muda e são necessárias adaptações para que a empresa funcione de forma saudável para todos.

Intervenções de trânsito e no trabalho qualquer um tira de letra, já que está subentendido que é para o bem coletivo. Difícil mesmo é quando elas vêm no âmbito pessoal, em que quase sempre uma parte sai prejudicada e envolve sentimentos. A briga com um amigo de infância soa como se arrancassem parte do nosso passado. Raros são os divórcios em que o coração de um não sai sangrando. Mas a pior de todas é irreversível: quando a morte nos leva alguém que a gente aprendeu a amar.

Mudanças assim podem não ser imediatas. Levam tempo, dedicação e um esforço quase desumano para seguir em frente. Cada um enfrenta de um jeito e nenhum deles parece correto. Uns ocupam a cabeça para não lembrar, outros sofrem até a dor passar e há também os que lotam os consultórios psicológicos a fim de encontrar uma saída racional e indolor para o que está sentido. Não há.


Mas não importa de onde vêm as intervenções, a gente sempre segue em frente, independente do caminho. Desvios, mudanças e terapias são escolhas que tomamos todos os dias. Podem mudar o percurso, mas também podem mostrar novas e melhores maneiras de seguir em frente, mas, parar, nunca.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

De que o acaso me protege?

Dia desses liguei meu iPod no shuffle, como de costume, e em um dos raros momentos em que não estou pensando em nada, tocou Epitáfio, dos Titãs. Lembro que na época em que foi lançada ela tocava incessantemente nas rádios, a ponto de me fazer enjoar em poucos dias, antes mesmo de entender sua mensagem. O grande problema das músicas massificadas é que repetimos tão automaticamente que sequer paramos para pensar e apreciar os arranjos, detalhes e letras.

 “O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído”, diz o refrão. Mas, peraí: de quê o acaso me protege? O que parece tão simples é de uma ambiguidade que me atormenta. Os mais simplistas responderão que ele não protege, apenas condiciona nossas ações para o que é mais concreto. Bullshit. Acredito, sim, na força do acaso e das circunstâncias que ele traz.

O acaso pode nos proteger do mal. Não é de hoje que circulam na internet relatos de pessoas que, por qualquer motivo, não embarcaram em um voo cuja aeronave cairia, horas depois. Telejornais entrevistam todos os anos pessoas que escaparam ilesas de grandes catástrofes por uma simples diarreia ou dor de cabeça. Acontece. Olha aí o acaso sendo um paizão e salvando a vida de inúmeras pessoas.

Mas o acaso também pode te proteger do bem. Li relatos de pessoas que viveram anos separados das pessoas que amavam por questões familiares. Fora as histórias que ainda não tiveram seu final feliz. Culpa do acaso. Você, que está solteiro, pode ter esbarrado com o homem ou a mulher da sua vida na fila do banco e nem percebeu. Você, pai, pode ter perdido a apresentação de fim de ano do seu filho na escola porque ficou até mais tarde no trabalho. Neste caso, o acaso afasta.


Cada caso, um acaso. E não cabe a nós compreender ou tentar mudar o que o acaso nos traz. A gente deve mesmo é reconhecer quando ele está ao nosso favor e, quando não estiver, paciência. Infelizmente a vida não tem manual de instruções e foi por acaso que dei mais um nó na minha cabeça. Continuo sem entender nada.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Ela


Parece pegadinha, mas é verdade: você a encontrou. A mulher pela qual muitos homens jogariam flores no chão que ela passasse. Logo você, um cara cético nas questões do amor e conhecido pelos amigos como o “solteirão convicto”. A comunidade dos sortudos lhe aceitou como membro efetivo. Toma aqui sua carteirinha, use-a de forma consciente e boa sorte. Esta mulher apareceu em sua porta e você abriu, perguntou se tinha um lugar no seu mundo para ela e você disse o seu sim.

Não é necessariamente bonita, mas seu alto astral contagia todos à sua volta. Pode nunca aparecer em capa de revista de moda, não faz o tipo esquelética e muito menos gordinha, mas cabe exatamente no seu abraço. É comunicativa e tem tantas amizades que fica até difícil administrá-las sem que magoe alguns amigos pela ausência. É solícita e se preocupa com você mesmo que você não saiba. Segundo ela, seus signos não combinam, mas o que realmente vale são as regras ditadas pelo casal e não as de um astrólogo que nunca viu mais gordo.

Não é nem tão nova que cometa as inconseqüências da juventude nem tão velha que fique extremamente ranzinza. Está numa idade que já sabe o que quer, é parcialmente independente e batalha para alcançar seus objetivos. Viveu o suficiente pra saber que ninguém é perfeito e que todo relacionamento exige dedicação e paciência, coisas que ela tem de sobra com você. Te chama pra sair, quer que você seja amigo dos amigos dela, faz planos secretos de curto, médio e longo prazo para o casal – embora você nunca saiba da existência deles.

E você, rapaz, o que tem feito por ela? Homens costumam ser nada românticos por natureza, mas quando se trata de outro ser – e este ser sendo uma mulher – é de bom tom fazer um esforço e ser gentil. Não para recompensá-la, pois namoro não é relação de troca, mas para que ela esboce aquele sorriso que você tanto gosta e quiçá caia uma lágrima dos seus olhos, que serão prontamente enxugadas para que ela não fique com vergonha. Pode não parecer, mas ela é tímida.

Um conselho: NUNCA a considere “boa demais” pra você. Ninguém é bom demais para alguém. Ninguém é muita areia para o caminhão de alguém. Ninguém recusa uma promoção no trabalho por considerar as especificações do cargo “boas demais”. Se ela está com você é porque quer e, no dia que não mais quiser, ela simplesmente lhe será franca.


Respeite-a. Valorize-a. Seja presente. Ela é do tipo de mulher que poucos dão o devido valor por achar que não merecem, mas que, depois se arrependem e a querem de volta, mas tarde demais. Galgue degraus de importância em seu coração fazendo por merecer. Você encontrou o cartão dourado em uma barra de chocolates Wonka. Use com consciência e você a terá por um bom tempo.