segunda-feira, 9 de junho de 2014

Terapias

Uns pintam, outros fazem boxe, muitos choram, falam pelos cotovelos, há também os que exageram na bebida.  Cada um tem um jeito de colocar seus pensamentos em ordem e extravasar alegrias e tristezas. Pois eu dirijo. Acredito que a gente só se revela mesmo é atrás de um volante, com os pés afundados no acelerador e não vejo terapia melhor que colocar uma playlist condizente com seu estado de espírito e sair cantando enquanto pilota. Só não aconselho fazer isso em momentos de ira, pelo bem da sua integridade física e dos outros.

O principal efeito dessa transferência é ter nas mãos algo que você pode controlar, medir, descontar e, quem sabe, confrontar. Se sou capaz de pintar traços tão específicos e harmonizar uma tela, por que não fazer isso com meu coração? Se posso golpear tão forte um saco de areia que pesa, sei lá, 200kg, por quê não sou forte o suficiente para apaziguar minha ira? Se estou apto a controlar um veículo tão milimetricamente projetado e ainda sim está sujeito a desgastes, por que me não consigo lidar com minhas próprias fraquezas?

 Terapias são comportas que se abrem na represa de tudo que a gente pensa e sente. Se acumular demais, transborda. Transferir o sentimento para algo que se possa tocar serve como uma usina hidrelétrica, que gera energia para alimentar outras partes do que nos compõe. Pensamento preso incha. Lágrima contida afoga. Mágoa guardada contamina. Ideia não compartilhada definha e se mistura ao lixo não reciclável.

Certa vez vi uma entrevista da escritora/roteirista/apresentadora/multitarefa Fernanda Young em que ela revela que a ideia do seu programa Irritando Fernanda Young seria, na verdade, Irritando Fernanda Young No Trânsito. Segundo Alexandre Machado, seu marido e idealizador do programa, as pessoas só são elas mesmas enquanto estão dirigindo e Fernanda se transforma numa entidade à parte.


A questão é que, meios à parte, o que interessam não são os fins, mas as formas como chegamos a eles.  E por meio disso que muitos talentos são descobertos, muitos dons são explorados e muitos artistas criam suas obras primas que perpetuam ao longo dos anos. Quem diria que algo que faz você esquecer se transformaria em algo pelo qual você será lembrado?

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