Uns pintam, outros fazem boxe,
muitos choram, falam pelos cotovelos, há também os que exageram na bebida. Cada um tem um jeito de colocar seus
pensamentos em ordem e extravasar alegrias e tristezas. Pois eu dirijo.
Acredito que a gente só se revela mesmo é atrás de um volante, com os pés
afundados no acelerador e não vejo terapia melhor que colocar uma playlist
condizente com seu estado de espírito e sair cantando enquanto pilota. Só não
aconselho fazer isso em momentos de ira, pelo bem da sua integridade física e
dos outros.
O principal efeito dessa
transferência é ter nas mãos algo que você pode controlar, medir, descontar e,
quem sabe, confrontar. Se sou capaz de pintar traços tão específicos e
harmonizar uma tela, por que não fazer isso com meu coração? Se posso golpear
tão forte um saco de areia que pesa, sei lá, 200kg, por quê não sou forte o
suficiente para apaziguar minha ira? Se estou apto a controlar um veículo tão
milimetricamente projetado e ainda sim está sujeito a desgastes, por que me não
consigo lidar com minhas próprias fraquezas?
Terapias são comportas que se abrem na represa
de tudo que a gente pensa e sente. Se acumular demais, transborda. Transferir o
sentimento para algo que se possa tocar serve como uma usina hidrelétrica, que
gera energia para alimentar outras partes do que nos compõe. Pensamento preso
incha. Lágrima contida afoga. Mágoa guardada contamina. Ideia não compartilhada
definha e se mistura ao lixo não reciclável.
Certa vez vi uma entrevista da
escritora/roteirista/apresentadora/multitarefa Fernanda Young em que ela revela
que a ideia do seu programa Irritando Fernanda Young seria, na verdade,
Irritando Fernanda Young No Trânsito. Segundo Alexandre Machado, seu marido e
idealizador do programa, as pessoas só são elas mesmas enquanto estão dirigindo
e Fernanda se transforma numa entidade à parte.
A questão é que, meios à parte, o
que interessam não são os fins, mas as formas como chegamos a eles. E por meio disso que muitos talentos são
descobertos, muitos dons são explorados e muitos artistas criam suas obras
primas que perpetuam ao longo dos anos. Quem diria que algo que faz você
esquecer se transformaria em algo pelo qual você será lembrado?
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