Inspiração é um bicho danado. Aparece nas horas mais improváveis e quase sempre
nos pega desprevenidos. Para os fotógrafos, a bateria da câmera acabou. Para os
músicos, o único violão disponível se encontra com 3 cordas arrebentadas. Para
quem escreve é pior: a inspiração vem na rua, no ônibus lotado ou até mesmo no
banco da igreja, onde não dispomos de papel, caneta ou até mesmo um computador
disponível para extravasarmos a criatividade.
Pois hoje ela
não me escapou. Acabei de assistir pela terceira vez o filme Divã, filme
baseado na obra de Martha Medeiros, que dispensa comentários de tão talentosa. Mas
uma parte do filme me chamou mais a atenção: o final. Em sua última sessão de
análise com seu psicólogo, a protagonista Mercedes afirma: “Eu nunca vou estar
pronta. Tudo o que eu preciso é conviver bem com meu desalinho, minha
inconstâncias e com as surpresas que a vida traz”. E não é que a danada tem
razão?
O que Martha,
através de Mercedes, talvez não saiba, é que ela provocou pequenas catarses aqui
dentro. Me faz perceber que nunca terei o controle da vida, mas que em minhas
reações diante de suas surpresas, mando eu. Que objetivo e obstinação são
completamente opostos. Que o sentido de viver é ter metas, mas não se obstinar
em alcançar todas: alguns fracassos são essenciais para o nosso aprendizado. E
que, embora nem tudo que é sonhado se realize, a gente faça o melhor que
poderia ser.
Posso não ser o filho exemplar que meu pai
sempre sonhou, então que eu seja o melhor filho que eu poderia ser. Talvez não
seja um marido romântico como dos filmes, mas me esforço para satisfazer o
máximo de expectativas que me for possível, tornando-me o melhor marido que eu
poderia ser. Não sou o profissional que todos esperam, mas dentro dos meus
limites posso transformar o meu trabalho no melhor que poderia ser. Isso não
significa ser medíocre, superficial ou pouco esforçado. Quer dizer que sei das
minhas limitações e não devo objetivar o meu sucesso baseado nos padrões dos
outros.
O bem ou o mal que provocamos, para nós mesmos
ou para os outros, certamente voltará. Quem permite conhecer seus próprios
limites e realizar suas obras baseadas neles está fazendo bem para si mesmo e
este bem voltará de alguma forma. Talvez a felicidade seja o retorno mais
tangível, mas se não vier, que sejamos os mais felizes que poderíamos ser.
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